O Jardim e a Montanha

Lembro-me que a cada chegada de um novo ano, tinha o hábito de elaborar planos, listas de resoluções, para ao longo dos meses me tornar uma "pessoa mais", mais bonita, mais inteligente, mais bem-sucedida, mais… mais… mais...
Vivo, muitas vezes, como se fosse um "projeto" a concluir, uma obra inacabada em constante reparação. Penso: "Se eu mudar este hábito ou atingir aquele objetivo, então serei suficiente." Esta mentalidade reflete o que nas tradições budistas e de advaita vedanta se chama de Samsara: o ciclo eterno de busca incessante movido pela sensação de carência.
Desde alguns anos que faço um esforço consciente (pois a tendência da mente continua lá!) para deixar de lado as listas e suspender as exigências que vou impor ao meu "eu" futuro, não porque seja contra listas ou contra mudanças de hábitos (bem pelo contrário!), mas porque me dei conta que a ideia de que tenho que me tornar "numa melhor versão" de mim mesma, fortalece no meu coração a crença de que tenho algo de errado, de que não sou suficiente. Coloca-me pressão e ansiedade e leva-me constantemente à comparação e ao julgamento, duas grandes bases para uma vida infeliz!
Gosto muito da ideia de ver a vida não como uma montanha para escalar, mas um jardim para cuidar e saborear. Nesta visão, as mudanças necessárias seriam vistas não como retificações ou consertos, mas como sementes lançadas num solo que já é fértil; expressões de autocuidado e auto preservação necessárias perante a natureza volátil e efémera da vida, e resultado de um honesto e profundo autoconhecimento. Deixa também intuir verdades importantes: a primeira é de que eu não estou aqui para me tornar outra pessoa, não há nada de errado em mim, em ser quem sou! Talvez o nosso único "trabalho" aqui seja mesmo vivermos da forma mais autêntica possível, tal como a flor não desabrocha para provar o seu valor, mas porque essa é a sua natureza mais profunda.
E a segunda, que o meu crescimento enquanto ser humano é no sentido de compreender que eu já sou completo e adequado. E qualquer mudança não deve ter como base um reparo da alma, mas a escolha de ir desabrochando para a minha verdade, aproximar-me dos meus valores (não dos impostos pela sociedade!), da minha essência, de regressar a casa.
Não acho que haja nada de errado em querer transformar circunstâncias ou hábitos, tal como a vida eu sou mudança, impermanência, um fluxo constante. A questão essencial é: estou a mudar porque sinto que não sou suficiente? Estou a tentar adotar rotinas e comportamentos para poder pertencer a algo ou alguém? Para preencher o vazio interno com algo externo? Ou estou a mudar como uma expressão de amor e autocuidado? Como resultado de um sábio discernimento de forma a me aproximar de uma vida mais consciente, livre, realizada e feliz?
Pode ser uma questão de semântica, de interpretação de conceitos, mas para mim faz toda a diferença. Mudar para ser "melhor pessoa" exige reação, disciplina cega e um esforço implacável para 'dobrar' o hábito sob metas rígidas. Já mudar para reencontrar quem sempre fui é um ato de entrega. Requer observação, persistência compassiva e caminhos flexíveis. Enquanto a primeira via é uma imposição da vontade, a segunda é uma jornada de descoberta e amor — o único e verdadeiro caminho para uma mudança autêntica.
Rita
