"Rezar com os pés"

30-08-2025
"Mover é uma forma de nos conectarmos com a vida e com os outros e de expressar a nossa natureza humana."

Kelly McGonigal

Entramos em setembro e à medida que nos vamos despedindo do verão, vamos retomando as nossas rotinas e agendas. Dou por mim a refletir como é tão fácil quebrar "bons hábitos", como é difícil mantermos rotinas diárias ou mudanças de hábitos que são tão importantes para o nosso bem-estar e saúde. Durante muitos anos, foi-me difícil estabelecer uma rotina de prática de yoga e pilates, apesar de adorar ambas e de sentir os seus enormes benefícios. Julgava-me (insultava-me!) por ser pouco persistente, não ter força de vontade, ser preguiçosa, pouco disciplinada. E ainda hoje, mais frequentemente do que gostaria, dou comigo a hesitar em sair da cama mais cedo para praticar, ou a procrastinar, adiando a minha intenção e compromisso com práticas que sei serem tão importantes para o meu equilíbrio. Outras vezes completamente absorvida pela velocidade dos dias, a cumprir a lista de tarefas cheia de prioridades, dou por mim a citar a Mafalda do Quino "o urgente não deixa tempo para o importante". Curiosamente o termo "prioridades" (no plural) só surgiu por volta do século XX, já a palavra "prioridade" (no singular) surge no século XV e era usado apenas no singular, significando a coisa que deve vir em primeiro lugar, logo não podia ter plural. Com a complexidade da vida moderna surgem então as "prioridades" e a ideia de termos de lidar com um maior número de responsabilidades e tarefas, necessitando de um conceito para gerir múltiplos focos.

A verdade é que muitas vezes quando estendia o tapete para praticar sentia pressão e ansiedade. A prática era um dever, uma obrigação, estava a praticar para poder ser uma boa aluna, uma boa professora, ter um corpo mais perfeito, uma mente mais perfeita, porque tinha de conseguir fazer aquele movimento difícil, para encontrar uma validação externa, para ter credibilidade aos olhos dos outros. Hoje, já muito mais consistente na minha prática, procuro mover-me com prazer e significado. Entendo o movimento ou o exercício físico, como um pilar essencial para o meu bem-estar e saúde, mas também como uma forma de me conectar com a vida e com o momento presente.

O ultramaratonista navajo, Shaun Martin, diz que corre para celebrar a vida, e que correr é uma forma de oração. "Porque também podemos rezar com os pés e com a respiração". Mover como uma forma de celebrar a benção de estarmos aqui, de aprendermos sobre nós próprios, de curar e de nos conectarmos com algo superior.

Joseph Pilates também tinha uma visão mais holística do movimento, acreditando que o seu método nos poderia fazer "retornar à vida", desenvolver um corpo saudável, um renovado vigor mental, uma elevação espiritual, que nos devolveria a energia que nos permite não só estar numa melhor posição de ganharmos o pão, mas também ter a vitalidade para desfrutar do prazer e relaxamento que a vida oferece.

E o Yoga sempre nos lembra a união entre o corpo, mente e espírito. De como o corpo é o veículo que nos faz retornar a casa, à nossa essência, nossa natureza. Um meio de autoconhecimento e transcendência.

Gosto da ideia de não reduzir o movimento a calorias gastas por hora, ou para alcançar alguma performance ou tipo de corpo. E se em vez de vermos o exercício só na ótica do rendimento, de castigarmos o corpo ou como o "purgatório" de todos os nossos excessos, encontrássemos no movimento e exercício físico um meio que nos permite sentir mais leves, com mais energia, motivação, mais força e alegria?

Sim, mover dá saúde, é superação, é reduzir tempos, aumentar cargas, tentar ir sempre um pouco mais além. Mas também é cura, é auto amor, é autocuidado. Pode ser amizade, cooperação, partilha de sorrisos e esforços. Pode dar esperança, paz, relaxamento, alegria, transcendência, liberdade. Pode ser o catalisador que ajuda a encontrar a coragem, a força, a esperança que permite enfrentar a vida.

Rita