Parar

06-09-2020

Com um despertar sempre bem matutino, dou por mim abrir os olhos aos primeiros raios de sol que entram pela janela deste quarto centenário, de uma casa que tem o peso de muitos, muitos anos e que me fascina pela sua solidez, estabilidade, permanência...

Relembro os dias de infância em casa da minha bisavó e tia-avó, a mesma sensação de que o tempo tem peso, tem presença, passa devagar. Naqueles tempos de infância não havia pressa, os dias passavam-se deliciosamente lentos, calmos, acolhedores...

Toda a casa dormia e eu decido deambular um pouco, encontro uma estante antiga cheia de livros e por ociosidade vou percorrendo os títulos... "Parar" de David Kundtz... o livro não me é estranho, mas nesse dia pego no livro e começo-o a ler com a sensação de que estavam ali algumas respostas para as perguntas que tenho feito.

Conheço bem o sentimento de que a vida é demasiado. A sensação de divisão porque há tanto para fazer, tanto para conhecer, tanto a exigir a nossa atenção, tantas oportunidades, tantas escolhas...

Conheço bem a sensação da vida a fugir-me pelas mãos, de viver sem saber bem a que propósito, estando sem saber como num carro em alta velocidade sem conseguir chegar ao volante e tomar as rédeas da própria vida...

O autor fala de como estamos num tempo em que a lentidão de outras épocas já não é uma opção. Escreve que andar depressa não é necessariamente mau, contudo para que a vida não seja demasiado e não passe sem darmos conta dela, é importante encontrar os ritmos naturalmente lentos do nosso dia-a-dia e fazer deles momentos de contemplação, momentos de autoconsciência, ou seja, momentos para Parar

Parar é após um telefonema e antes de voltar os olhos para o computador, contemplar por um minuto o mau tempo lá fora, presente na dança das árvores ao sabor do vento, saboreando o som da chuva contra o vidro. 

Parar é quando me desloco a pé para algum destino (seja por 5 minutos ou 30) e contemplo os tons verdes, vermelhos, amarelos e alaranjados que decoram o caminho com a chegada do Outono. 

Parar é lavar a loiça, cortar os legumes, dobrar roupa, passear o cão, momentos que acontecem naturalmente, que fazem parte dos nossos dias, e que independentemente da sua duração, podem ser aproveitados para equilibrar a velocidade da nossa vida com momentos de tranquilidade e principalmente de contemplação ou autoconsciência.

São momentos urgentemente necessários, onde criamos espaço suficiente para nos lembrarmos ou recordarmos quem somos e o que queremos e a perceção de onde estamos e como estamos. Porque faço o que faço e se é isto que ainda quero fazer, de forma a garantir que não ando distraído ao ponto de perder os momentos significativos. Que não estou apenas a reagir ao ritmo rápido das nossas vidas, mas a escolher com intenção e com coragem o caminho, vivendo na direção onde se encontram os meus propósitos e os meus valores.

Parar não é inatividade, não é preguiça, não é fuga. É da vida que se trata! É encontrar momentos quotidianos e procurar estar desperto, para que ganhando consciência da minha vida e das minhas escolhas, perceber se estou na direção pretendida, recordar o que é realmente importante e avaliar o que quero fazer a seguir e como quero proceder.

Parar para avançar, assumindo o volante e o acelerador da minha vida, sabendo que a sociedade nunca optará pela lentidão, mas que eu posso escolher um ritmo mais equilibrado, um harmonizar entre velocidade e parar, vivendo consciente, intencional ao encontro do que sou e do que quero.

Que todos possamos encontrar a nossa paz!Om Shanti!

Kundtz, David. (1998). "Parar. Como parar quando temos de continuar". Sinais de Fogo Publicações Lda. Lisboa